quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Restos de amendoim.

Um dia, quando tinha dezessete anos, o jovem adolescente que estava começando a conhecer o mundo, deparou-se com uma situação um tanto inesperada. Naquela cabeça turbulenta e cheia de pensamentos sobre o mundo e sobre si mesmo, ele nunca tinha percebido, de fato, a realidade que estava ao seu redor.

Tinha aquele andar característico de quem, internamente, está pensando sobre o mundo e como ele é. Parecia carregar um fardo pesado demais e não encontrava muitos lugares para descansar. Queria diversão, ir para o mundo, conhecer pessoas novas. Sair da teoria. Experimentar. Deve ser assim com todo mundo, ele tinha certeza.

Era tarde de domingo, daquelas entediantes e chatas, como em sua maioria são. Dividido entre ficar em casa e sair para “curtir a vida” no shopping, ele preferiu ir ao cinema. O filme, com poucas pessoas na sessão, durou o tempo necessário para acabar ainda naquela interminável tarde. É hora de voltar para casa.

A parada de ônibus é um bom lugar para pensar sobre a vida. Aquelas pessoas que você não conhece, sempre com olhares atentos para o lado na expectativa do ônibus e vigiando uma possível situação de perigo. Na mente dele, nada disso importava. Estava pensando no que fazer naquele final de final de semana que, mais uma vez, fora entediante o suficiente para tornar as atividades das “feiras” muito mais interessantes. Não podia ser assim, tinha alguma coisa errada. Todo mundo prefere o final de semana. Ele parece muito mais animado e agitado. Por que, com ele, era tão diferente?  

Já na parada de casa, de forma despretensiosa, desce do ônibus e deixa escapar os restos do seu pacote de amendoim comprado ainda no cinema. Nada de novo nisso. Olha de lado, deixa pra lá. Percebe dois garotos com roupas esfarrapadas e com aspecto sujo se aproximando. De longe, eles veem aquele resto de comida e correm com grande entusiasmo para verificar se no pacote ainda restavam algumas migalhas. Com grande alegria verificam que ainda restaram alguns.

Na cabeça daquele adolescente, absorto em seu mundo de questionamentos, um misto de vergonha, nojo, piedade, raiva e medo se misturam. Sua vida não podia ser tão ruim assim. Aqueles meninos, com a metade da idade dele, estavam encontrando alegria para um fim de domingo em restos de comida! Não podia estar certo. Claro, os “problemas” dele não eram em nada parecidos com os dos garotos. Mas eles estavam felizes, sorridentes. E ele não.

Aquela cena mereceu  muitas horas de reflexão. Era como se ele tivesse sido acordado no meio de um sonho por cair da cama. Não podia ter sido mais brutal e revelador. A felicidade estampada no rosto daqueles meninos era a mais sincera e genuína possível. Eles não deviam se contentar só com aquilo. Estava errado. Ele estava errado. A vida estava errada.


Depois de muito pensar ele decidiu tomar aquele dia como parâmetro. Quando, em sua mente, começassem a surgir àquelas ideias de insatisfação, de raiva e tristeza por um final de semana perdido, ele deveria lembrar-se da alegria daqueles garotos ao encontrar seus restos de amendoim. Os restos do que, para ele, tinha sido uma tarde monótona e chata, serviram para encher de alegria os garotos. Ele percebeu que precisamos aprender com os restos, com o que sobra e com o que é jogado fora. 

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

O medo dos caminhos novos.

Quando descobrimos que o nosso mundo é o nosso mundo, tudo muda. Antes disso, temos a impressão de que partilhamos algo com os outros, com os nossos. Acreditamos na existência de algo comum. Numa cumplicidade quase transcendental, capaz de nos ligar uns aos outros de forma a nunca estarmos separados. Porém, estamos.

Primeiro, tem a separação do parto. Essa é a pior, segundo os especialistas. Saímos do nosso mundo de conforto e segurança, livres de toda aflição e preocupação. Podemos nos movimentar, mas a “prisão” era bem mais confortável, aconchegante, aquecida e hospitaleira.  Temos a imensidão do mundo, mas a pequenez daquele espaço era mais do que suficiente.

Vamos crescendo e os “partos” vão mudando. Sempre nessa perspectiva de alcançarmos espaços cada vez mais amplos, porém angustiantes. O anterior sempre parece mais confortável. Nossa mente teima em permitir ao nosso corpo assentar-se sob nova base. Nada parece seguro e a própria insegurança torna-se o escudo. Os passos para frente devem ser meticulosamente pensados. Os artifícios de sobrevivência são de uma envergadura quase bélica.  Apesar do espaço ampliado, queremos a segurança de um pequeno canto, seguro, aquecido, confortável.  Vivemos com medo. Nada mais primitivo e sábio.

De um ponto de vista nada pedagógico, a educação é uma forma de impor limites, colocar freios, mostrar o quão ruim pode ser uma coisa, caso você não esteja preparado para ela. Somos educados para temer. E, nesse aspecto, a educação cumpre muito bem o seu papel. O grande problema está no nosso total despreparo ao lidarmos com uma situação nova, diferente, não pensada, não estudada, não descrita. É paralisante.

Já devíamos estar acostumados a tudo isso. Afinal, tantos anos se passaram e tantas novas situações surgiram... Careceria ser uma coisa meio que natural, ou adquirida. É uma pena não “pegarmos o jeito”. Nunca pegamos. Como não podemos prever, não podemos prevenir.  

A ideia de caminhar sob um solo minado é aterradora. Imagine como deve ser assustador não saber se o seu próximo passo conduzirá a morte. De forma injusta e inesperada é como se o caminhante trilhasse o caminho para a própria destruição. A metáfora com a vida surge de forma quase imediata. É inevitável não vermos as características em comum. A grande diferença é que no campo minado quem coloca as bombas são os inimigos. Na vida nem sempre é assim, aliás, na maioria das vezes não é.


O bom disso tudo é que sempre podemos encontrar novos caminhos. A amplitude do novo paralisa, mas também pode ampliar nosso raio de ação. Pode nos fazer correr. Os limites de antes não são os mesmos, mas existem. Numa terra inexplorada qualquer nova caminhada pode levar a uma paisagem diferente, nova, única. Só é preciso atenção e cuidado. Lembrando sempre que a novidade para nós apresentada, pode não passar de um caminho velho e abandonado. 

sábado, 21 de setembro de 2013

Ela sabe.

E começaram a conversar. Ele estava ansioso, pernas bambas, mãos inquietas, desviando o olhar dos olhos dela, se ela visse descobriria tudo. Tomava a cerveja em doses fartas, para ficar seguro e destemido. Sempre fora assim, não tinha muitas habilidades na arte da conquista. Apesar de ser bom com as palavras, estas teimavam em fugir nos momentos como esse. Qualquer assunto parecia inadequado, inoportuno. Não dava para saber com o que ela iria ficar impressionada, o que a despertaria interesse.

No bar, todo mundo parecia plateia. A música de fundo não ajudava, não era nem um pouco romântica. Nada parecido com o que ele tinha planejado. E arrancava um sorriso de canto de boca. Mais de nervosismo do que de felicidade. Sim, ele estava muito feliz por tê-la perto dele. Mas, aquele olhar dela... Deixava-o completamente desconcertado.

Os olhos dela são de uma cor de mel, esverdeados, daqueles encantadores. Parecem desenhados, feitos à mão. É mais incrível ainda o que ela consegue fazer com eles. Ela fita com segurança e deixa ainda mais desconsertado o pretensioso interlocutor. Com aqueles olhos seguros e cada vez mais brilhantes, naturalmente, ela desperta admiração e o deixa inseguro.

 Ela sabe o que ele quer. Todo mundo sabe. Até os garçons já conversam entre si discutindo se o beijo sairá ou não. Mas ela não deixa transparecer que sabe. Quer ser surpreendida. Ela sabe, também, que qualquer olhar menos cuidadoso, qualquer palavra impensada, qualquer gesto menos meticuloso será indicativo. Ele é um pouco mais velho, pensa ela. Deve saber o que fazer. Eles sempre sabem, ou fingem. Ele parece tão seguro, tão certo, tão obstinado, tão falante, cheio de piadas e argumentos, mas parece andar em círculos, não sabe finalizar.

Na cabeça dele, ela já deve estar entediada. Já acabaram todos os seus assuntos, todos os cantores e músicas já foram citados, todos os livros, todos os programas de tv, todos os filmes, até as novelas, um pouco de futebol, conversas acadêmicas, sonhos para o futuro, quantos filhos são desejados... Mas, não teve a deixa. Ele não sabe como conseguir espaço. Tem medo de ser invasivo demais ao tocar nas mãos dela de forma não casual. Ela já entendeu que aqueles vários toques espontaneamente forjados não eram puro acaso.

Talvez o problema fosse aquela mesa grande demais, pensa ele, eles estavam distantes. Ele podia ter colocado a cadeira ao lado da dela, não do lado aposto da mesa. Ele faz tudo errado. Ela o admira. No fundo, ela sabe que ele procura uma deixa. Os sorrisos começam a surgir mais espontaneamente, talvez pelo efeito da cerveja. Eles estão ali, como já fizeram outras vezes, em outros contextos. Mas, naquele dia, era especial. Eram os dois a sós, mais ninguém. Apesar do bar lotado e do olhar expectante vindo das mesas ao lado. Nada mais importava.

Os olhares já estavam menos envergonhados. Mais penetrantes. Mais intencionados.

De repente, ele para o olhar no dela. É a deixa. Ele não tem mais dúvidas.


Ela sabe. 

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Eu, o calor e os outros.

Esses dias quentes demais, inquietam. Fica essa clima abafado, seco, com milhões de vozes crepitando, parece tudo parte de um delírio, misturado com suor e com essa necessidade de algo que acalme, refrigere. Agora entendo como deve ser difícil morar nos desertos. Essas vozes, que já nos perturbam normalmente, no calor ficam bem mais ecoantes. 

São muitas vozes. Em essência, não somos um. Essa aparente unidade do nosso pensar, é mera ilusão. Nossa mente é eclética. A gente se posiciona, se define, se rotula, mas, no final, são tantos rótulos que fica faltando espaço na nossa superfície. Sabe aquela mania que algumas pessoas tem de sair colocando no copo os rótulos das cervejas bebidas? É assim com a gente também. Mas, parece que as pessoas tem um certo limite de contato conosco. Elas nos suportam até um determinado ponto. É uma coisa meio física mesmo. A amplitude do que somos extrapola a capacidade do outro nos compreender. E sempre ficam essas arestas, essas partes soltas, sem ponto de fixação, fora da superfície. 

Sempre duvidei das pessoas muito seguras de si. Ninguém é tão seguro assim. Não consigo acreditar nisso. Até porque, como não somos um, essa segurança é como se fosse de "sis mesmos". Acho mais difícil ainda. Muito antes de iniciar a graduação de Psicologia e, muito antes mesmo, de ouvir falar no que seriam transtornos psiquiátricos/lógicos li, num dos livros de Sidney Sheldon (Manhã, Tarde e Noite, o título) a história de uma mulher que tinha três personalidades (alter egos). Em cada contexto da sua vida ela se comportava de um modo diferente. Claro, era uma condição patológica. Cada alter ego tinha  uma memória formada de si, uma consciência de tempo, espaço e, inclusive, de profissão diferentes. O problema é que um dos egos gostava de matar pessoas. Na época achei aquilo tão fictício e fora da realidade, quanto a existência de Pokemons. Claro, comecei a considerar que comigo podia acontecer a mesma coisa (geralmente, os alter egos não tem consciência do outro), mesmo acreditando, cegamente, na irracionalidade daquele absurdo. 

Mas o tempo foi passando e a coexistência humana foi mostrando que podemos selecionar qual parte de nós será relevada nos diferentes contextos de nossa coexistência. Isso, além de natural, é um mecanismo de sobrevivência.

No fundo, acredito sim que em meio a toda essa aparente confusão de “eus” existe uma linha, um ponto comum, algo que orienta e direciona nossos atos. Até por que, se assim não fosse, todo mundo surtaria, tanto nós, quanto os outros. As pessoas percebem as nossas mudanças. Às vezes, nem mudamos tanto, só deixamos um “outro” aparecer. Mesmo assim, existe uma unidade. Não sei se uma essência, mas existem características nossas que nos diferenciam, nos tornam um, fazem a nossa personalidade.



É muito bom permitir-se conhecer. Conviver com os nossos outros. Ouvir os nossos outros e dialogar com eles. Queria uma frase de efeito para finalizar o texto, mas as palavras fugiram do eu que escreve. 

terça-feira, 17 de setembro de 2013

Sobre os que foram e os que serão.

Eu não acho que a juventude de hoje esteja desorganizando a sociedade. Ouvi isso num sermão esses dias. Na verdade, não é bem a juventude, é o afastamento que os jovens têm da religião e de Deus. É um assunto complicado, polêmico, controverso e inquietante. Eu gosto desses assuntos.

A sociedade nunca foi organizada. Mesmo com todas as tentativas frustradas já encabeçadas pelas mais diversas instituições sociais, nunca houve essa moral e bons costumes tão “perdidos” atualmente. Os jovens sempre assumem um papel subversivo, parece algo meio intrínseco a idade. Os 15, 16, 17 são anos voltados para os conflitos internos, para nossas questões. Já depois dos 19 parece que passamos a nos importar mais com questões de cunho global, geral. Deixamos um pouco de lado os conflitos amorosos (típicos da adolescência) e o interesse se volta para os ideológicos. É o tempo de entrar na universidade e ficar perdido.

À medida que nos aproximamos de novas ideias, vamos nos afastando das velhas. A religião é uma velha ideia, tão velha quanto à existência do homem. Temos muito a aprender com as coisas velhas.  Também  temos muito a ensinar. Apesar de, cada vez mais, sofrermos com o lugar de meros aprendizes. Devemos ter a cabeça baixa e os ouvidos atentos. Caso contrário, é como se estivéssemos destruindo tudo  aquilo que nossos antepassados lutaram  tanto para construir.

Ouvi de uma educadora num programa de televisão no qual se discutia sobre a qualidade da educação brasileira que a escola atual não tem capacidade de formar uma geração. Daqui a 20 anos serão os jovens de hoje a levar esse país nas costas. Mas os jovens de hoje não estão preparados, nem se preparando. Não saberemos conduzir o futuro dessa nação. Aliás, “... nem sentimento patriótico eles tem.” - era o lamento da senhora com cabelos brancos que, ao mesmo tempo, pedia aos professores para ouvir a voz dos alunos adolescentes. Eu fiquei confuso. Eles dizem que não sabemos, mas querem nos ouvir. Dizem que sabem, que foram, que fizeram, que eram, mas não nos deixam ser, fazer, tentar.

Eu não acho que eles tenham conquistado grandes coisas para o Brasil, assim como a religião não tem feito grandes coisas pela humanidade, e tem. Podemos pensar como pensamos por causa deles e dela. Afinal, com o que nos revoltaríamos se eles e ela não existissem?

Sobre religião é mais perigoso falar. Muitos ficam inflamados, muitos aplaudem e muitos olham com preconceito. É tema que não pode ser discutido. Apelam logo para o campo da fé e esse é um assunto impassível de discussão. Eu, mais uma vez, não concordo. Acho que fé se discute, assim como política, futebol e gosto musical.

Mas porque estou falando tudo isso? Eu tenho visto uma tendência na juventude da qual faço parte de separar as coisas. De colocar tudo em janelas. Em pastas. Você não pode ser eclético. Tem que ser isso ou aquilo. Religioso ou ateu. Direita ou esquerda. Rock ou forró. Cerveja ou vodka. Ribeira ou Só Mais Uma. E por aí vai. Esse não é o caminho. Um caminho já percorrido por gerações anteriores e pregado pela religião (ou Deus ou nada). Já deveríamos ter superado essa dicotomia. Já deveríamos ter procurado novas formas de encarar esses velhos dilemas. Formas mais inclusivas. Menos deterministas.


A religião e muitos pensamentos antiquados que tentam enquadrar, organizar, determinar, impor, deveriam nos servir como espelho para o “não ser”. É uma pena não conseguirmos nos desvencilhar dessas nefastas influências. O museu das grandes novidades está aberto para exposição. Só precisamos olhar, observar, não é preciso roubar nada.  

sábado, 14 de setembro de 2013

Sobre a vida que nos foi imposta.

E cá estamos nós nessa frenética e, ao mesmo tempo, tão pacata vida. Podia ser tudo diferente. Eu sempre imaginei  como teria sido minha vida caso eu tivesse nascido em outra cidade, estado, país, planeta, galáxia... Acho que todo mundo, um dia, já pensou sobre isso. Seria tudo diferente. Talvez nem fosse.

Nascer em outro lugar implicaria uma nova cultura. Uma nova forma de ver as coisas, novos alimentos, novas expectativas, novas rotinas. Mas o cotidiano sempre existiria. O dia a dia monótono e tão agitado que inquieta e nos dá o direito de dormir cinco a seis horas diariamente, enquanto todos os sabedores e estudiosos nos recomendam oito.

Mas sempre surge a questão da essência: o meu "eu" continuaria o mesmo? Eu teria as mesmas manias chatas, os mesmos tiques, os mesmos raciocínios vagos, a mesma capacidade de ficar pensando sobre o nada? Eu teria a mesma identidade?

Mas sempre surge a questão da identidade. Temos ou não temos uma? Os teóricos da Psicologia do Desenvolvimento teimam em tentar dividir a vida em etapas, em ciclos. Não de forma cronometrada ou estanque. Períodos sem limites temporais estritamente definidos, mas períodos, fases. Parecem seguir uma tendência natural que também temos. Sempre achamos um modo de dividir nossa vida. Seja por lugares onde moramos, por pessoas com as quais convivemos, anos escolares e por aí vai. O problema de dividir em etapas está exatamente na dificuldade de definirmos quando terminamos uma e quando devemos iniciar outra.

Quando saindo da infância nos questionamos sobre o nosso lugar de adolescentes. Quando já beiramos os dezoito, dezenove ou vinte estamos quase enlouquecendo com o fato de não sabemos mais nos definir (jovem ou adulto). Entre a idade adulta e a velhice é a mesma querela. E o problema sempre é o mesmo: temos uma dificuldade, quase inata, de dividir nossa vida em etapas. A raiz desse entrave classificatório talvez seja a nossa incapacidade de realizar todas as tarefas que são esperadas em cada fase.

Claro, tudo isso é fruto de uma séries de fatores sociais, históricos e culturais, eu sei, já conseguiram me provar isso. Porém, esses fatores continuam nos atormentando. Apesar de saber identificá-los um a um, não consigo  me desvencilhar deles. E nos julgam. Tenha um adulto atitudes infantis e sentirá, na pele,o peso de sua transgressão. É um pecado quase mortal. Um dia falarei sobre pecado, deixa pra lá.
 
Além de não escolhermos nosso local de nascimento, não podemos escolher por qual idade começar a vida. Será que nascermos adultos não seria melhor?! Tá, chega de loucuras numa manhã ensolarada de sábado. No fim, nos resta viver. Do nosso modo torto e meio esquizofrênico, numa constante queda de braço entre obrigações e prazeres; entre necessidades e desejos. Devemos viver. Acho que podemos dar umas escapadinhas vez por outra. Pular os ciclos, voltar as etapas, redescobrir o que nem chegamos a descobrir. A vida nos foi imposta, mas não devemos encará-la como um fardo.

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Na nossa forma.

O meu hiato literário é sempre reflexo de um período de aridez intelectual que acompanha, paradoxalmente, o cotidiano da minha vida acadêmica. Apesar de completamente entusiasmado com o meu avançar no campo das Ciências Médicas, sinto que cada vez mais me afasto de outras formas de pensar e analisar as coisas da vida. Vivo dizendo que a universidade nos faz perder a capacidade de poetizar, e é verdade.

Seres pensantes pensam. E pensar envolve dois movimentos básicos, porém opostos: decompor e recompor. Imaginemos quaisquer situações, das mais simples a mais complexa, e vejamos de forma prática como se processam essas ações. Uma situação nova sempre causa espanto e estranheza. Nossa mente não consegue alocar a novidade numa caixa já pronta de conceitos. Nesse momento, precisamos decompor e fragmentar o "novo" em partes com geometria e forma capazes de penetrar nos pequenos espaços vazios das nossas caixas mentais pré-fabricadas. Decompomos e decompomos até fazer sentido para nós, ou não. Decompomos para recompor. A recomposição nada mais é do que a "adequação", o colocar na forma, na nossa forma.

A forma (fôrma) do outro, raramente, consegue se encaixar na nossa. Sempre consideramos a nossa mais adequada. Temos essa necessidade. Não somos culpados. O nosso egocentrismo faz parte de uma característica evolutiva que remete a necessidade de sobreviver. Precisamos acreditar em nós (isso não é autoajuda!).

As universidades são esses lugares que me envergonham. Não se encaixam na minha forma. Elas, ao invés de expandiram, limitam. É tudo tão dividido, tão cêntrico. Tornou-se utopia acreditar que o conhecimento é algo unificador. Formamo-nos (ou seja, somos colocados em uma forma) e nos separamos das demais formas, ficamos conformados. O nosso movimento é sempre no sentido da especialização. Doutorados são feitos em um "canto de unha" e o "doutor" nem sabe o nome do dedo (nem na classificação de Eliana). Mais uma vez: não somos culpados. Dessa vez, podemos ser.

Sempre me disseram que após os 30 anos um dos fatores mais determinantes para a completude do sentimento de realização pessoal é o sucesso profissional. Não é o sucesso do conhecimento. Esse passa longe. O conhecimento passa longe das universidades que nos formam para esse sucesso profissional. Vivemos essa ilusão do saber, mas este nos engessa e molda. 

A decomposição deveria seguir-se a recomposição em uma nova forma. Entretanto, incorremos no erro de querer sempre encaixar no pré-pronto. Por isso, muitas vezes, ao pensar ou vivenciar coisas novas, só reforçamos nossos preconceitos. 

A relação entre universidade, preconceito e movimentos do pensar é tão próxima que assusta. E precisa assustar. Quando não assusta, é sinal de perigo. Quando não assusta é como se tudo encontrasse o seu lugar, como se tudo ficasse encaixado, na nossa forma.

domingo, 26 de maio de 2013

A realidade do mundo virtual.


Todo mundo quer sair do anonimato. As redes sociais estão aí provando isso. Cada um, a seu modo, tenta mostrar o quão interessante é sua vida. É uma espera ansiosa para saber quantas curtidas ou compartilhamentos um comentário, vídeo ou foto merece. Não estou falando em tom crítico, nem questionando a grandeza de tal empreitada. Mas, é assim
.
Esse sair do anonimato envolve uma questão mais básica do ser humano que é a necessidade de aceitação. A sociedade é esse monstro que aniquila os menos vistos e acaba com a autoestima dos menos bem relacionados. Criaram-se regras e critérios bem seletivos (ou não) para definir a estratificação do status no mundo virtual. Podíamos ter feito diferente. Já vimos, no mundo real, o quanto a diferenciação por classes é injusta e perversa. Mas não. Teimamos em reproduzir.

Não estou defendendo o socialismo virtual. Até por que, o direito de curtir ou não uma postagem deve ser respeitado. Mas, é sempre assim. Parece natural competirmos. Mesmo quando temos a possibilidade de incluir, preferimos excluir. A internet tornou-se um campo de guerra, minado. Os pontos de vista são defendidos com tanto afinco e de forma tão pesada que, por vezes, chega a assustar. É uma guerra fria.

De um lado os religiosos, do outro os não crentes. De um lado os revolucionários, do outro os reacionários. De um lado os capitalistas, do outro os socialistas. E por aí segue. Até o compartilhar guarda, de forma quase rancorosa, a defesa velada de certos posicionamentos. Compartilhamos buscando afirmação. Perdeu-se o sentido dessa palavra no mundo virtual. Aliás, não só nele.

Na verdade, não temos como definir um vencedor nessa batalha. Não há um prêmio. Milhões de curtidas não garantem um futuro de visibilidade. É tudo instantâneo, dura três minutos. Quando muito, pode durar quatro ou cinco. No jogo das relações virtuais a subjetividade dá espaço para a “aparência”. Podemos nos mostrar e transparecer muitas coisas, inclusive, o que não somos. Mas tá valendo. Tudo depende de quantas vezes será reproduzido.

Oremos pelo dia no qual as injustiças virtuais sejam desfeitas. Podemos iniciar uma transformação por aqui e reproduzir no mundo “real”. Se bem que está praticamente impossível separar os dois. O limite já é, praticamente, inexistente. O que somos aqui é reflexo e reflete o que somos lá fora. A diferença é que, no mundo real, as nossas afirmações de identidade significam algo para além de um simples clique com o mouse. 

sábado, 18 de maio de 2013

Sobre estudantes, carros e a ordem social.


Tenho muito orgulho de, faz 18 anos, ser estudante. Sempre tive. Não sei se é fruto de uma inclinação natural ou de algo construído socialmente, mas esse sentimento sempre se fez presente na minha vida, de 23 anos. Mas, não tenho orgulho da classe como um todo.

O corporativismo é uma das características mais definidoras da identidade de grupo. Quando fazemos parte de uma “organização social” tendemos, consciente ou inconscientemente, a defendê-la, até, de modo irracional. Sempre temos na manga algum bom argumento para usar, quando somos atingidos. E os que criticam também terão argumentos. Faz parte do jogo social, da dialética do convívio em sociedade.

A grande questão é analisar a quem serve nossa defesa. De qual lado nós estamos. Observem, não estou fazendo uma crítica ao capitalismo, nem defendendo o socialismo. Porém, é fato inegável a imensa estratificação social e política ordenadora das nossas relações sociais. Por mais convencedor, o ideal democrático é, em essencial, inviável num sentido estrito. Quem nos representa? Os reacionários dirão que somos nós os culpados, até por que fomos nós quem os colocamos no poder.  Eu diria que somos massa de manobra. E, aí de nós, se não formos.

Claro, “nós” é muita gente (o erro de concordância foi proposital). Tem gente que não é. Esses são os que sofrem por tentar abrir os nossos olhos. Apanham para depois nos regozijarmos dos nossos “direitos adquiridos” no conforto da nossa vida corrida e estressante. Por vezes, chego a pensar que existe sim um grande plano de aniquilação da liberdade humana. Gente que articula, planeja, orquestra ações e estratégias para retirar a nossa capacidade de tomar decisões. A maquiagem é tão forte que chegamos a pensar que decidimos e não percebemos que eles decidem por nós. Decidem onde devemos pisar, por onde devemos passar e de que lado da rua andar. Decidem, até, que podemos decidir.

Mas, voltemos aos estudantes. Como é difícil se desvencilhar dessa rede de acordos e amarras. Louvados sejam os que conseguem ver além do que está imposto. Louvados sejam os que assumem sua identidade de grupo e não se deixam enganar pelos discursos midiáticos e mantenedores da “ordem”. Hoje em dia, poucos são bem aventurados, a maioria não está nem aí. Prendem-se ao ideal romântico-burguês da vida tranquila e nem de longe conseguem se abster de pensar no “eu”. Estão do lado de lá.

Quando podemos dizer que nossa liberdade foi cerceada? Qual o limiar entre a imposição da força, pela força, e a manutenção da ordem? Aliás, a que serve a ordem? Claro, o convívio social necessita de uma organização. O problema é quanto tentam criar uma linha de montagem, na qual ninguém pensa no depois. Ninguém pensa no que vem antes. Colocam a roda do carro e não importa quem vai colocar o retrovisor. Que utopia essa minha. Vivemos num mundo, no qual a única pessoa importante é quem vai dirigir. E, pode ter certeza, vão te fazer acreditar e vão querer te convencer que você pode dirigir também. Mas aí, você será, apenas, mais um.

Eles nos ensinam a dirigir, mas criam ruas, colocam sinais, faixas, guardas, apitados, impõem limites de velocidade, fazem até faixa para pedestre. É para nossa segurança. É para que nos seguremos. Não teríamos discernimento se não fosse assim. Precisamos disso.

 E assim os estudantes acabam perdendo a capacidade de pensar fora do circuito. De adentrar  pelas estradas de barro. Prendem-se ao asfalto. Com medo de descobrir que, por baixo dele, tem terra batida.

quarta-feira, 15 de maio de 2013

Quando divagar é necessário.


Tem certos textos que não podem esperar. Eles ficam perturbando o nosso pensamento, nossa mente e não suportam, nem por um dia, a expectativa de sair dessa tão angustiosa morada que é o nosso universo consciente. Vem de não sei onde e não tem um destino certo. Perambulam pelas nossas atividades diárias e correm para o papel assim como corremos da chuva à procura de um lugar seguro, seco e que nos proteja do resfriado vindouro.

Eu fico imaginando como deve ser difícil a vida de quem não tem a experiência do ler, da leitura. Não, o texto não é sobre analfabetismo. Deve ser complicado viver num mundo alheio ao encantador universo das letras. Restringir os seus dias da indescritível experiência de ser leitor.

Não lembro exatamente com quantos anos comecei a ler.  Minha memória é cheia de imprecisões. Mas, lembro-me da sensação, de uma quase euforia ao conseguir decifrar aquelas enigmáticas sequências de letras. Daí por diante, não sei como, aquilo passou a fazer parte de mim. Na adolescência então, foram muitas horas dedicadas aos livros.

Agora, quando o assunto é escrever, a conjuntura muda completamente. Apesar de sempre ler, nunca consegui alcançar o mesmo nível de realização ao escrever. Retirando aqueles “deveres de casa” quase nunca, espontaneamente, me dediquei à escrita. Claro, são coisas completamente diferentes.

Geralmente, não gostamos do que escrevemos. É preciso ter muita autoestima para concluir um parágrafo e não achá-lo tão cheio de defeitos quanto você mesmo. Deve ser por isso! É culpa  dessa velha mania de perfeição que nunca se concretiza; esse ideal de eu que, sorrateiramente, escorrega para a análise que faço das minhas palavras e tropeça ao perceber a distância entre os meus pensamentos  e o modo com que são expressos nessa linguagem.

Por isso, é preciso ir devagar com essa vontade de divagar. Escrever não é tão “fácil” quanto ler. Escrevemos o que pensamos e, em muitas das vezes, nem o que pensamos está claro. É a tão encantadora e, ao mesmo tempo, perturbadora querela da vida; a velha dialética. Esses grandes escritores são pessoas iluminadas. Consigo ver uma aura de sabedoria, um quê de superioridade que causa uma inveja em nada branca.

Mas, às vezes, a inspiração vem. Não sei como, mas chega. Precisamos aproveitar essas raríssimas oportunidades. É assim em quase tudo na vida. Só precisamos ter papel, caneta e contar com a criatividade, porque a borracha, essa nem sempre é possível utilizar.

segunda-feira, 13 de maio de 2013

Nas portas da indecisão.


Fui pra Ribeira. Domingo. Circuito Cultural. Para quem não sabe a Ribeira é o bairro mais antigo de Natal, digamos que o berço dessa cidade quase quingentésima. Percorrem esse dito circuito os mais diversos tipos de pessoas. Roqueiros, os que curtem reggae, funk, samba, música eletrônica, além dos intelectuais e de muitos indefinidos. Só para não esquecer, tem os maconheiros que estão em todos esses grupos, felizmente.

Ao contrário do que o estereótipo construiu os mais bem educados (“intelectuais”), doutos e cultos são os menos interessantes e educados (relevem minha generalização preconceituosa). Eles costumam sentar num café, com ares de elite francesa, regado a música clássica e pose de leitores absortos e superiores aos demais grupos que, ironicamente, frequentam o mesmo ambiente.

Fui de preto, camisa preta, calça jeans um pouco velha e um all star. Os meus amigos e a minha namorada também, nesse mesmo estilo. Nem sou tão roqueiro assim, mas achei mais prudente ir vestido ao estilo.

Para não tornar o texto descritivo demais, vou direto ao ponto: fui vítima de um dos maiores insultos da minha vida. Uma dessas frequentadoras que, aparentemente, ´parecia fazer parte daquela elite, teve a ousadia de dirigir-me a mim nos seguintes termos: “... a porta não é um bom lugar para ficar indeciso”... , num tom tão áspero e inquisidor que, imediatamente, tentei revidar. Ela, porém, foi mais rápida, imagino eu por conhecer muito bem aquele espaço, e, num piscar de olhos, sumiu, sem dar-me o direito da réplica.

A indignação deu-se tanto pela má educação, quanto pela ousadia em falar sobre a minha indecisão. Ora, eu já passei por três cursos de graduação para, finalmente, decidir sobre o correto; já morei em quatro cidades; já pertenci a grupos religiosos, hoje não frequento mais a igreja; já gostei de Padre Marcelo Rossi e, hoje, escuto Android Sem Par; como ela descobriu que sou indeciso só por me ver, 5 segundos, parado na porta? Ela não podia ter dito isso. Não tinha o direito.

Além disso, a indecisão faz parte da natureza humana. Ela devia saber que, também, é indecisa. Deve ser aquela coisa de criticarmos nos outros o que temos em nós. Deve ser isso mesmo.

No Eletro Cana (um barzinho bem “barra pesada”) ninguém me criticou pela minha indecisão em entrar. Da próxima vez, não me aproximarei mais daquela “elite”. Eles têm cheiro de elite, gostos de elite e devem ser muito decididos. Gente decidida não está com nada. Vê-se pelo exemplo dessa garota.

No mais, é um evento que recomendo. As pessoas precisam ver pessoas diferentes, só assim, talvez, elas passem a pensar diferente e quem sabe, um dia, não critiquem os outros por serem indecisos. Respeite a minha indecisão que eu respeitarei seu nariz arrebitado.


terça-feira, 7 de maio de 2013

" O vazio Artístico"


Não sei falar sobre temas sérios. Fico tentando, tentando, mas é muito chato. É aquela velha coisa de ter argumento, ser persuasivo que aflige minha mente dispersa e hiperativa. São muitos porquês, muitas razões, muitas ilustrações. Estas são as piores, só dificultam. A habilidade que me falta de compreender imagens é algo irritante. Passo horas, dias, meses, anos até algumas fazerem sentido.

Mas aí dizem que o sentido quem atribui somos nós. É o seu eu. Sinto-me pior ainda. Eu não tenho a capacidade de atribuir sentido? Como assim? Meu polegar opositor está aqui, meus giros e sulcos cerebrais estão todos (pelo menos espero) no canto certo.

Os artistas são essas pessoas incríveis. Por muitas vezes chego a acreditar que quem não tem o cérebro funcionando direito são eles. Eles pensam umas coisas estranhas. Cantam umas coisas estranhas. Escrevem coisas mais estranhas ainda. E, quando desenham, conseguem nos chocar ainda mais. Não sei de onde surge essa capacidade/habilidade, muitos menos se será possível, algum dia, determiná-la. É coisa sobre humana mesmo, no sentido mais literal das palavras. Um misto de autismo com criatividade e uma dose, enorme, de autenticidade. Arrisco essa receita.

Deve ser muito bom viver em um mundo no qual a autodeterminação é a única lei. Esse povo deve viver assim, senão como eles conseguiriam ver essas coisas que eu, mero mortal, não consigo? Ainda bem que existem as notas de rodapé. Elas me elevam, em parte. Eu só consigo ver o que está escrito lá. Nada mais. Fico nesse “vazio artístico”.

Aí, me refugio no seguro. Procuro a única das artes capaz de despertar, em mim, uma significação.

Tenho inveja dos artistas, dos pintores, dos cantores, dos escritores, dos instrumentistas e das pessoas criativas. Porém, em certos momentos, tenho mais inveja, ainda, de quem consegue compreendê-los. Ver o que está implícito (e até explícito) nas suas obras.

No fundo meu único argumento é esse: precisamos de mais educação artística e menos educação religiosa. 

quinta-feira, 2 de maio de 2013

Entre a vida e a morte.


Eu não sei valorar a vida. Sei que, cotidianamente, ela está sendo desvalorizada. Meu julgamento não é moral nem, muito menos, médico/biologicista. Mas, é o que parece. Não vou falar sobre a gênese da violência urbana e de seus determinantes histórico-sócio-culturais. Isso é tema para redações de vestibulares.

Falo sobre a vida do ponto de vista vivencial. Do nosso dia a dia. Por isso, é impossível pensa-la sem a morte, até por que, somos seres para a morte. Quando criança era muito difícil compreender a ideia de finitude.  Hoje é mais complicado ainda. Não sei como se formou esse temor frente a mais irremediável das patologias humanas. É um sentimento meio que universal. A maioria das pessoas o tem. Temos medo da nossa morte e da morte das pessoas próximas. Os animais superiores (com córtex frontal rudimentar) sentem a morte dos seus semelhantes, mas, também, matam. Eles são predadores e predados. Protegem-se atacando.

E esse dilema (ser predador e caça) parece que persegue os seres humanos. As guerras estão ai pra isso. Os noticiários de jornal também. Os dados assustam, as estatísticas chocam e as funerárias comemoram. Tornou-se banal, não choca mais. É só mais um. E todos os dias são, apenas, mais alguns. Não são próximos da maioria de nós. Talvez, por isso, não sintamos. Mas, são muito próximos. São nossos semelhantes, não do ponto de vista cristão, mas evolutivo.

São pessoas com os mesmos medos, as mesmas esperanças, os mesmos questionamentos, as mesmas características físicas, capazes de desempenhar as mesmas funções que desempenhamos. Mas, não são. Não as vemos assim. São números. São a caça.

Queria muito entender os predadores. Sei que existem explicações. Muitos artigos científicos já foram escritos, muitas pesquisas longitudinais e randomizadas. Muitos banners apresentados, muitas revisões de literatura e teses de doutorado. Nada me convence. Queria ouvir relatos reais. Uma explicação. As razões racionais e irracionais. Nós podemos compreender. Somos humanos, eles também são. Não, não estou defendendo. É mais um apelo para a difícil arte de ouvir.

É clichê, é lugar comum, mas a sociedade molda e nós somos a sociedade. Somos culpados em parte. Claro, existem as inclinações individuais. Elas são 50%, os outros 50, somos nós. Devemos assumir esse lugar.

Está ficando cada vez mais difícil viver hoje em dia. Temos tecnologia para prolongar nossas vidas por muitos anos. Entretanto, não sabemos conviver. Estamos morrendo de outro modo. Um modo mais difícil de curar. O agente etiológico dessa doença não é de difícil determinação e, apesar de conhecermos o patógeno, teimamos em não usar o antígeno adequado. Nossa imunidade está acabando. Precisamos, rapidamente, de uma vacina. 

segunda-feira, 29 de abril de 2013

Entre lembranças e esquecimentos.

Nostalgia é uma coisa que todo mundo tem. É uma das características que nos faz humanos. Aquelas lembranças; o recordar de momentos e fatos passados; as ditas coisas que não voltam mais. Foram-se. As memórias são coisas engraçadas. Sempre que queremos esquecer uma situação, seja por nos fazer sofrer ou simplesmente por que não queremos lembrar, lembramos. Já quando queremos lembrar, esquecemos. É um eterno conflito.

Somos nostálgicos por acharmos que nunca mais poderemos viver aquele momento novamente.  E, realmente, não podemos. Não podemos mesmo. Primeiro, por que a data não será a mesma. Segundo, por que estabelecemos que o tempo segue uma sequência temporal. Sempre para frente. Além disso, Heráclito, filósofo grego, do alto do Olimpo de sua sabedoria, alguns séculos antes de Cristo, disse uma das frases mais acertadas da história da humanidade: “Um homem nunca passa duas vezes no mesmo rio”. Heidegger complicou tanto, escreveu livros e mais livros com a única intenção de dizer a mesma coisa.

Caso não tivéssemos inventado o tempo como o inventamos; caso inventássemos uma máquina do tempo, não seriamos nostálgicos. Aí, também, deixaríamos de ser humanos.  Mas do que valem as lembranças se não podemos revivê-las? Do ponto de vista evolutivo a capacidade de memorizar foi o que nos possibilitou sobreviver. Já imaginou se o homem que lutou com um urso e venceu não lembrasse o quão perigoso pode ser esse animal? Essa mesma memória nos possibilita conviver (pois lembramos as palavras), cantar (lembramos a melodia das músicas), passar no vestibular (ou não, por que nem todo mundo é obsessivo o suficiente para decorar a tabela periódica, ainda bem) e fazer milhares de outras coisas que gostamos.

Mas, tem a coroa. O outro lado da moeda. Lembramos também fatos tristes. Lembramos, inclusive, fatos que não existiram, frutos da nossa imaginação e que adquiriram o estatuto de realidade. Temos lembranças de coisas que não vivemos. Temos saudades de pessoas e de períodos de tempo.

Quando lembramos, revivemos. Cada vez que contamos a nós mesmos uma história, aumentamos um ponto. É bom lembrar. Não raras vezes é melhor esquecer. Mas o esquecer só existe numa correlação com o lembrar. Como saber se esquecemos, já que não lembramos?  Quando esquecemos, não lembramos, nem lembramos que esquecemos. Então, nunca sabemos quando esquecemos. Só sabemos, quando lembramos. O esquecer não pode ser mensurado.

As próximas gerações, a dos nossos tataranetos, não saberá que nós existimos. Assim como não sabemos (pelo menos a maioria de nós) quem foram nossas tataravós. Seremos esquecido, mais do que lembrados. Nossas lembranças não perdurarão. Essa é outra coisa que nos faz humanos e, ao mesmo tempo, nos desumaniza. 

sábado, 27 de abril de 2013

Filosofia no zoológico.


Esses dias li um texto todo. Raramente tenho conseguido essa proeza. Poucas leituras conseguem me prender, exceto alguns textos jornalísticos. O tal texto versava sobre um assunto pelo qual me interesso bastante. Porém, o que me prendia a leitura não era tanto o que estava escrito, mas como estava escrito.

Era um diálogo. Um texto descomplicado, quase literatura infantil. Nunca vi conseguirem falar de forma tão clara sobre uma questão filosófica de tamanha complexidade. Filosófica, existencial, teológica e biológica. Era um assunto  cheio de nuances, gerador de muitos embates. Muitos livros já foram escritos, muitas aulas já foram dadas, muitas horas de discussão e de reflexão e nenhum dos grandes pensadores da humanidade conseguiu desvendar o mistério.

Sim, estou falando sobre o surgimento do homem.  Não do Big Bang ou do criacionismo. Do evolucionismo mesmo. Aquela ideia defendida pela ciência de que o homem é um reflexo evolutivo. Outrora, éramos considerados o ápice da evolução. É como se tudo tivesse convergido para sermos o que somos, ou seja, o máximo. Somos inteligentes, pensantes, elaboramos raciocínios complexos, abstratos, temos um polegar opositor. E por aí vai. Temos linguagem, história, cultura. E é tudo muito perfeito. Até que um dia, criamos um zoológico.

Os zoológicos são lugares estranhos, principalmente quando as crianças vão junto. Após ler o incrível texto fui persuadido a pensar como o autor. No zoológico, somos nós que observamos os animais ou são eles que nos observam?  Nós paramos para vê-los e, nem percebemos, mas eles nos veem também. Ficam lá, muitas vezes mais absortos do que nós. Concentrados, olhando os nossos gestos.  Somos estranhos para eles tanto quanto eles são estranhos para nós.

Mas não. Somos homens. Eles não têm polegar opositor. Eles não escrevem livros, não tem canais te TV. Pararam na evolução. O mais interessante é verificar que eles têm comportamentos de equipe e, por muitas vezes, são mais solidários do que nós. Eles podem não ser o ápice da evolução, mas, em muitos aspectos, parecem mais evoluídos.

E as crianças? Elas nos igualam tanto que chega a ser assustador. Um observador atento perceberá as muitas semelhanças entre o comportamento de um bebê chimpanzé com o de uma criança de 2 anos. Falta uma linguagem elaborada, mas sobra a linguagem corporal. Sobram às expressões faciais, a euforia, os sorrisos, as descobertas. Claro, estou fazendo uma defesa velada ao evolucionismo.

Só queria saber onde ficou o elo perdido. Parece que nessa transmissão de dados entre eles e nós, muitos foram perdidos. Eles, nossos ancestrais, têm a prerrogativa da sabedoria. Nós, como filhos e dotados de linguagem, temos a obrigação de não excluí-los do nosso convívio.  Precisamos ouvi-los. É como discurso materno, sempre correto e, por isso, tão dissonante aos nossos ouvidos.

quinta-feira, 25 de abril de 2013

O esquerdismo nosso de cada dia.


Sou de esquerda. Não da esquerda jacobina, da esquerda moderna. Essa que é religiosamente contra tantas coisas e levanta tantas bandeiras que, por momentos, o mastro fica pesado demais. Para fazer parte desse grupo precisamos ter e concordar com muitos posicionamentos; é necessária muita convicção, muitos argumentos.

Não travamos lutas braçais. A maioria dos conflitos, praticamente todos, são ideológicos. Somos anti -poder, anti-preconceito, anti-religião, anti-conservadorismo, anti –machismo, na linguagem psicanalítica somos anti-falo. Mas não somos anárquicos. A anarquia, enquanto regime político, para existir, deve ser instituída. É uma contradição lógica instituir a desordem, mas como torná-la real sem ter um respaldo, uma outorga? A nossa contrariedade ao instituído não nos permite adotar esse ideal.

Estamos situamos dentro de um espaço social bem delimitado. Nossa opinião é considerada pecaminosa, subversiva e reacionária. A antiga esquerda não era assim. Ela representava e lutava pelo direto de uma maioria que não era representada, que era subjugada pela minoria dona do poder.  Hoje, defendemos os direitos das minorias. Por isso, não somos aceitos. Por isso, os embates.

Tenho a impressão que usamos mais as redes sociais do que as ruas. Isso tem uma razão de ser. As ruas não deixaram de ter o seu papel. Mas, nelas, temos pouca visibilidade. No máximo, ganharemos uns 30 segundos num noticiário de jornal, numa apresentação carregada de um tom crítico, quase combativo, mostrando o quanto somos perigosos para a conservação da moralidade e ordem social.

Eu acho extremamente controverso esse conceito de ser de esquerda. A maioria das pessoas, inclusive eu, tem lateralidade com a direita. Faço praticamente tudo com esse lado do corpo. Mas, sou esquerdo em praticamente todas as outras áreas da vida que não envolvem atividades motoras/cognitivas.  É uma dissonância. Uma confusão. Sou todo mundo e, ao mesmo tempo, não sou. Fica essa briga entre a direita e a esquerda. Na verdade, tenho que ser um pouco dos dois.

É possível conciliar. Sempre é possível. A esquerda atual (que eu defendo) não admite radicalismos, pelo menos não deveria admitir. Os radicalismos estão fadados ao fracasso. Queremos inverter a lógica. Nosso discurso é quase anticientífico. Não queremos repetição. Não esperamos que os resultados sejam sempre os mesmos. Numa acepção fenomenológica, queremos entender o fenômeno em sua singularidade.
Precisamos defender isso sem unhas e dentes. Não podemos utilizar as mesmas armas. Alias, não podemos utilizar arma nenhuma. Temos que gritar e silenciar ao mesmo tempo.

 No final, certos de que nosso pensamento é carregado de contradições, poderemos admitir que não temos todas as respostas, nem novas perguntas.

terça-feira, 23 de abril de 2013

Manual Normativo de Redação Técnica


Quero escrever um texto grande. Mas, sempre surge a questão do que falar. O medo de não ter conteúdo o suficiente. O fantasma da repetição. O perigo da obviedade e das redundâncias.

Para escrever um texto grande são necessários muitos argumentos, muitas letras, muitas palavras, muita correção ortográfica, muitas vírgulas e muitos pontos. É difícil pontuar. É uma daquelas tarefas que apesar das mais diversas repetições sempre causarão dúvidas. Nunca será um conhecimento completamente implícito, como andar de bicicleta ou dirigir (cousa que também não sei). Quando você pensa que pegou o jeito da coisa, uma vírgula inoportuna aparece no local inapropriado e seu ego vai embora junto.

Geralmente os textos longos são o resultado de uma ampla investigação e abordam um tema específico com muitas considerações e reconsiderações. Tem uma pesquisa por trás. É complicado escrever duas ou três laudas tendo como referencial apenas ideias “próprias”. Dizem que cansa o leitor. É melhor ser claro, rápido e objetivo. A prolixidade tem sido tão combatida quanto o pior dos pecados. Concisão, clareza, linguagem fluida, seguimento da norma culta e, acima de tudo, capacidade de fazer-se entender. Parece até que é fácil para um ser humano normal fazer isso.

Seres humanos normais são redundantes. Eles vão e voltam para o mesmo assunto diversas vezes, algumas com a mesma forma, outras de forma diferente. Além disso, eles não primam tanto por se fazerem compreender, apesar da necessidade que tem de serem compreendidos. 

Temos dado uma ênfase muito grande aos aspectos estéticos das coisas. A dicotomia forma-conteúdo nunca esteve tão presente. É por isso que estilos musicais com escalas menos complexas, melodias simples, quase tão diretas quanto uma bula de remédio fazem tanto sucesso. Depois vem culpar o povo brasileiro de não ser aculturado. Claro que não podemos. Os clássicos são livros grandes, não são objetivos. Dentro da perspectiva atual são mal escritos. Ninguém tem tempo para ler Hamlet.

É por isso que não sei mais como me comportar em livrarias. Sinto-me julgado pelas sessões que frequento. Na de literatura clássica serei taxado de saudosista, pedante. Na de auto-ajuda, as pessoas saberão que preciso de ajuda. Na de livros técnicos, isso pra mim não é literatura. Na dos romances modernos, serei considerado fútil e desaculturado.  E sempre tem aqueles olhares curiosos, dos curiosos. Leitores são pessoas atentas. Um bom leitor não se prende a forma. 

O texto ficou mediano. Minha ideias já se exauriram e consegui terminá-lo sem muitas divagações filosóficas.   No próximo, falarei sobre um assunto polêmico. Vou começar logo a pesquisa" Até por que, em assuntos dessa envergadura, o que pensamos não vale muita coisa quando comparado às análises estatísticas do IBGE. Mas, depois me pedem para dar minha opinião embasada. Quando embasada, ela deixa de ser minha.

sábado, 20 de abril de 2013

Sobre parafrasear.



As palavras nem sempre correm soltas. Por muitas vezes elas prendem-se, escondem-se, num convite ao desprendimento/encontro. Comunicar-se nem sempre é uma tarefa fácil. Faz-se necessário parafrasear.

Gosto de pensar que as baleias podem ficam bêbadas; que podem surgir flores no asfalto; que  os dinossauros podem explicar a existência do amor; que dizer palavras repetidas é uma sina. A autenticidade é uma conquista difícil. É preciso lidar com muitos "eus" para deixar que um se sobressaia. Isso não é esquizofrenia. Até pode ser, quando analiso que imaginar baleias bêbadas talvez me exclua do critério de normalidade.

Quem já não quis ficar meia hora sem pensar em nada? Quem já não quis pensar algo novo, algo inédito? Mas, é como se estivéssemos sempre parafraseando. A paráfrase extrapola os limites textuais e torna-se intrínseca aos nossos pensamentos, visões de mundo. Sempre com toque de novidade. Só um toque, tão sutil e, por isso, impercebido.

E nos acusam por parafrasear. Nos julgam. É quase um crime doloso. Caso me fosse dada a capacidade de decidir entre pensar o novo e pensar o velho, preferiria pensar o velho. Os pretéritos são mais bonitos. Eles podem ser perfeitos, imperfeitos, mais que perfeitos - "Eu pensei que pensava algo novo quando pensara em mudar o mundo" -. Até nisso, fiz paráfrase: meu mundo novo não era mais que a mera reprodução dos muitos "mundos novos" já pensados.

E a nossa mente? Podíamos usá-la como o  local mais  propício a autenticidade. Porém, muitos plágios acontecem. Pobre do nosso ego, sempre tentando traduzir o nosso "desejo" em algo compreensível, colocando em outras palavras, parafraseando.

E assim seguimos. Reinventando o que já foi inventado.  Quando descobrirem um modo de livrar-nos desse "inescapável" destino, por favor, não me digam. Não teria criatividade o suficiente para reinventar tudo de novo. Além disso, haveriam muitas mortes no mar; os carros atropelariam as flores e os dinossauros dominariam o mundo. Sem contar, que todo dia teríamos que inventar novas palavras.

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Resolvi criar um blog. Não a muitos pedidos. Sempre tive um desejo meio que velado de escrever. Não sei exatamente sobre o que ou para quem. Mas, no fundo, o que importa é a mensagem. A universalidade (olha só que pretensão a minha!) de um conteúdo ultrapassa público alvo e estabelecer um destinatário limita.

Como não gosto muito de metalinguagem (depois escreverei alguma coisa sobre o título do blog), vou direto ao tema: cidades.

Sempre me questiono qual o limite de uma cidade. Até que ponto ela existe como de fato a percebemos.Elas existem por si mesmas? Na Idade Média existiam muros que delimitavam-nas. Os muros já não existem. Talvez seja por já ter morado em 4 e parecer que continuo morando em todas até hoje. Fisicamente impossível e e totalmente desprovido de racionalidade é esse pensamento. É como se cada uma com suas características, com seus odores, com suas sutilizes me acompanhassem por onde ando. Arrastar quatro cidades nas costas não é fácil. Por isso, sempre tento me livrar de alguma, deixar para trás um pouco dessas extensões quilométricas de sentimentos e lembranças. Também não é fácil deixar pedaços  pelo caminho. É uma parte que se torna todo e passa a fazer falta.

Elas tem pontos em comum. Todas tem suas belezas, seus problemas, suas contradições, suas peculiaridades. E a descrição anterior já não parece mais a de uma cidade. Já fugi do tema auto imposto e, sutilmente, descrevi uma pessoa. Uma pessoa pode ser descrita como  uma cidade? Uma cidade pode ser descrita como uma pessoa? Como o todo pode descrever uma parte e a parte pode descrever um todo?

Caetano diz que Rita Lee é a melhor tradução de São Paulo. Uma conquista digna dos maiores louvores a dela. Eu quero, quem sabe um dia, poder ser a tradução de algum lugar. Na verdade, não quero. É muita responsabilidade; não sou comprometido o bastante. Minha polaridade não me permite ser cidade e pessoa ao mesmo tempo. É melhor deixar isso pra quem é bipolar, senão, corro o risco de me tornar também.