Esses dias quentes
demais, inquietam. Fica essa clima abafado, seco, com milhões de vozes
crepitando, parece tudo parte de um delírio, misturado com suor e com essa
necessidade de algo que acalme, refrigere. Agora entendo como deve ser difícil
morar nos desertos. Essas vozes, que já nos perturbam normalmente, no calor
ficam bem mais ecoantes.
São muitas vozes. Em
essência, não somos um. Essa aparente unidade do nosso pensar, é mera ilusão.
Nossa mente é eclética. A gente se posiciona, se define, se rotula, mas, no
final, são tantos rótulos que fica faltando espaço na nossa superfície. Sabe aquela
mania que algumas pessoas tem de sair colocando no copo os rótulos das cervejas
bebidas? É assim com a gente também. Mas, parece que as pessoas tem um certo
limite de contato conosco. Elas nos suportam até um determinado ponto. É uma
coisa meio física mesmo. A amplitude do que somos extrapola a capacidade do
outro nos compreender. E sempre ficam essas arestas, essas partes soltas, sem
ponto de fixação, fora da superfície.
Sempre duvidei das
pessoas muito seguras de si. Ninguém é tão seguro assim. Não consigo acreditar
nisso. Até porque, como não somos um, essa segurança é como se fosse de
"sis mesmos". Acho mais difícil ainda. Muito antes de iniciar a
graduação de Psicologia e, muito antes mesmo, de ouvir falar no que seriam
transtornos psiquiátricos/lógicos li, num dos livros de Sidney Sheldon (Manhã,
Tarde e Noite, o título) a história de uma mulher que tinha três personalidades
(alter egos). Em cada contexto da sua vida ela se comportava de um modo
diferente. Claro, era uma condição patológica. Cada alter ego tinha uma
memória formada de si, uma consciência de tempo, espaço e, inclusive, de
profissão diferentes. O problema é que um dos egos gostava de matar pessoas. Na
época achei aquilo tão fictício e fora da realidade, quanto a existência de
Pokemons. Claro, comecei a considerar que comigo podia acontecer a mesma coisa
(geralmente, os alter egos não tem consciência do outro), mesmo acreditando,
cegamente, na irracionalidade daquele absurdo.
Mas o tempo foi
passando e a coexistência humana foi mostrando que podemos selecionar qual
parte de nós será relevada nos diferentes contextos de nossa coexistência.
Isso, além de natural, é um mecanismo de sobrevivência.
No fundo, acredito
sim que em meio a toda essa aparente confusão de “eus” existe uma linha, um
ponto comum, algo que orienta e direciona nossos atos. Até por que, se assim
não fosse, todo mundo surtaria, tanto nós, quanto os outros. As pessoas
percebem as nossas mudanças. Às vezes, nem mudamos tanto, só deixamos um
“outro” aparecer. Mesmo assim, existe uma unidade. Não sei se uma essência, mas
existem características nossas que nos diferenciam, nos tornam um, fazem a
nossa personalidade.
É muito bom
permitir-se conhecer. Conviver com os nossos outros. Ouvir os nossos outros e
dialogar com eles. Queria uma frase de efeito para finalizar o texto, mas as
palavras fugiram do eu que escreve.
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