segunda-feira, 29 de abril de 2013

Entre lembranças e esquecimentos.

Nostalgia é uma coisa que todo mundo tem. É uma das características que nos faz humanos. Aquelas lembranças; o recordar de momentos e fatos passados; as ditas coisas que não voltam mais. Foram-se. As memórias são coisas engraçadas. Sempre que queremos esquecer uma situação, seja por nos fazer sofrer ou simplesmente por que não queremos lembrar, lembramos. Já quando queremos lembrar, esquecemos. É um eterno conflito.

Somos nostálgicos por acharmos que nunca mais poderemos viver aquele momento novamente.  E, realmente, não podemos. Não podemos mesmo. Primeiro, por que a data não será a mesma. Segundo, por que estabelecemos que o tempo segue uma sequência temporal. Sempre para frente. Além disso, Heráclito, filósofo grego, do alto do Olimpo de sua sabedoria, alguns séculos antes de Cristo, disse uma das frases mais acertadas da história da humanidade: “Um homem nunca passa duas vezes no mesmo rio”. Heidegger complicou tanto, escreveu livros e mais livros com a única intenção de dizer a mesma coisa.

Caso não tivéssemos inventado o tempo como o inventamos; caso inventássemos uma máquina do tempo, não seriamos nostálgicos. Aí, também, deixaríamos de ser humanos.  Mas do que valem as lembranças se não podemos revivê-las? Do ponto de vista evolutivo a capacidade de memorizar foi o que nos possibilitou sobreviver. Já imaginou se o homem que lutou com um urso e venceu não lembrasse o quão perigoso pode ser esse animal? Essa mesma memória nos possibilita conviver (pois lembramos as palavras), cantar (lembramos a melodia das músicas), passar no vestibular (ou não, por que nem todo mundo é obsessivo o suficiente para decorar a tabela periódica, ainda bem) e fazer milhares de outras coisas que gostamos.

Mas, tem a coroa. O outro lado da moeda. Lembramos também fatos tristes. Lembramos, inclusive, fatos que não existiram, frutos da nossa imaginação e que adquiriram o estatuto de realidade. Temos lembranças de coisas que não vivemos. Temos saudades de pessoas e de períodos de tempo.

Quando lembramos, revivemos. Cada vez que contamos a nós mesmos uma história, aumentamos um ponto. É bom lembrar. Não raras vezes é melhor esquecer. Mas o esquecer só existe numa correlação com o lembrar. Como saber se esquecemos, já que não lembramos?  Quando esquecemos, não lembramos, nem lembramos que esquecemos. Então, nunca sabemos quando esquecemos. Só sabemos, quando lembramos. O esquecer não pode ser mensurado.

As próximas gerações, a dos nossos tataranetos, não saberá que nós existimos. Assim como não sabemos (pelo menos a maioria de nós) quem foram nossas tataravós. Seremos esquecido, mais do que lembrados. Nossas lembranças não perdurarão. Essa é outra coisa que nos faz humanos e, ao mesmo tempo, nos desumaniza. 

sábado, 27 de abril de 2013

Filosofia no zoológico.


Esses dias li um texto todo. Raramente tenho conseguido essa proeza. Poucas leituras conseguem me prender, exceto alguns textos jornalísticos. O tal texto versava sobre um assunto pelo qual me interesso bastante. Porém, o que me prendia a leitura não era tanto o que estava escrito, mas como estava escrito.

Era um diálogo. Um texto descomplicado, quase literatura infantil. Nunca vi conseguirem falar de forma tão clara sobre uma questão filosófica de tamanha complexidade. Filosófica, existencial, teológica e biológica. Era um assunto  cheio de nuances, gerador de muitos embates. Muitos livros já foram escritos, muitas aulas já foram dadas, muitas horas de discussão e de reflexão e nenhum dos grandes pensadores da humanidade conseguiu desvendar o mistério.

Sim, estou falando sobre o surgimento do homem.  Não do Big Bang ou do criacionismo. Do evolucionismo mesmo. Aquela ideia defendida pela ciência de que o homem é um reflexo evolutivo. Outrora, éramos considerados o ápice da evolução. É como se tudo tivesse convergido para sermos o que somos, ou seja, o máximo. Somos inteligentes, pensantes, elaboramos raciocínios complexos, abstratos, temos um polegar opositor. E por aí vai. Temos linguagem, história, cultura. E é tudo muito perfeito. Até que um dia, criamos um zoológico.

Os zoológicos são lugares estranhos, principalmente quando as crianças vão junto. Após ler o incrível texto fui persuadido a pensar como o autor. No zoológico, somos nós que observamos os animais ou são eles que nos observam?  Nós paramos para vê-los e, nem percebemos, mas eles nos veem também. Ficam lá, muitas vezes mais absortos do que nós. Concentrados, olhando os nossos gestos.  Somos estranhos para eles tanto quanto eles são estranhos para nós.

Mas não. Somos homens. Eles não têm polegar opositor. Eles não escrevem livros, não tem canais te TV. Pararam na evolução. O mais interessante é verificar que eles têm comportamentos de equipe e, por muitas vezes, são mais solidários do que nós. Eles podem não ser o ápice da evolução, mas, em muitos aspectos, parecem mais evoluídos.

E as crianças? Elas nos igualam tanto que chega a ser assustador. Um observador atento perceberá as muitas semelhanças entre o comportamento de um bebê chimpanzé com o de uma criança de 2 anos. Falta uma linguagem elaborada, mas sobra a linguagem corporal. Sobram às expressões faciais, a euforia, os sorrisos, as descobertas. Claro, estou fazendo uma defesa velada ao evolucionismo.

Só queria saber onde ficou o elo perdido. Parece que nessa transmissão de dados entre eles e nós, muitos foram perdidos. Eles, nossos ancestrais, têm a prerrogativa da sabedoria. Nós, como filhos e dotados de linguagem, temos a obrigação de não excluí-los do nosso convívio.  Precisamos ouvi-los. É como discurso materno, sempre correto e, por isso, tão dissonante aos nossos ouvidos.

quinta-feira, 25 de abril de 2013

O esquerdismo nosso de cada dia.


Sou de esquerda. Não da esquerda jacobina, da esquerda moderna. Essa que é religiosamente contra tantas coisas e levanta tantas bandeiras que, por momentos, o mastro fica pesado demais. Para fazer parte desse grupo precisamos ter e concordar com muitos posicionamentos; é necessária muita convicção, muitos argumentos.

Não travamos lutas braçais. A maioria dos conflitos, praticamente todos, são ideológicos. Somos anti -poder, anti-preconceito, anti-religião, anti-conservadorismo, anti –machismo, na linguagem psicanalítica somos anti-falo. Mas não somos anárquicos. A anarquia, enquanto regime político, para existir, deve ser instituída. É uma contradição lógica instituir a desordem, mas como torná-la real sem ter um respaldo, uma outorga? A nossa contrariedade ao instituído não nos permite adotar esse ideal.

Estamos situamos dentro de um espaço social bem delimitado. Nossa opinião é considerada pecaminosa, subversiva e reacionária. A antiga esquerda não era assim. Ela representava e lutava pelo direto de uma maioria que não era representada, que era subjugada pela minoria dona do poder.  Hoje, defendemos os direitos das minorias. Por isso, não somos aceitos. Por isso, os embates.

Tenho a impressão que usamos mais as redes sociais do que as ruas. Isso tem uma razão de ser. As ruas não deixaram de ter o seu papel. Mas, nelas, temos pouca visibilidade. No máximo, ganharemos uns 30 segundos num noticiário de jornal, numa apresentação carregada de um tom crítico, quase combativo, mostrando o quanto somos perigosos para a conservação da moralidade e ordem social.

Eu acho extremamente controverso esse conceito de ser de esquerda. A maioria das pessoas, inclusive eu, tem lateralidade com a direita. Faço praticamente tudo com esse lado do corpo. Mas, sou esquerdo em praticamente todas as outras áreas da vida que não envolvem atividades motoras/cognitivas.  É uma dissonância. Uma confusão. Sou todo mundo e, ao mesmo tempo, não sou. Fica essa briga entre a direita e a esquerda. Na verdade, tenho que ser um pouco dos dois.

É possível conciliar. Sempre é possível. A esquerda atual (que eu defendo) não admite radicalismos, pelo menos não deveria admitir. Os radicalismos estão fadados ao fracasso. Queremos inverter a lógica. Nosso discurso é quase anticientífico. Não queremos repetição. Não esperamos que os resultados sejam sempre os mesmos. Numa acepção fenomenológica, queremos entender o fenômeno em sua singularidade.
Precisamos defender isso sem unhas e dentes. Não podemos utilizar as mesmas armas. Alias, não podemos utilizar arma nenhuma. Temos que gritar e silenciar ao mesmo tempo.

 No final, certos de que nosso pensamento é carregado de contradições, poderemos admitir que não temos todas as respostas, nem novas perguntas.

terça-feira, 23 de abril de 2013

Manual Normativo de Redação Técnica


Quero escrever um texto grande. Mas, sempre surge a questão do que falar. O medo de não ter conteúdo o suficiente. O fantasma da repetição. O perigo da obviedade e das redundâncias.

Para escrever um texto grande são necessários muitos argumentos, muitas letras, muitas palavras, muita correção ortográfica, muitas vírgulas e muitos pontos. É difícil pontuar. É uma daquelas tarefas que apesar das mais diversas repetições sempre causarão dúvidas. Nunca será um conhecimento completamente implícito, como andar de bicicleta ou dirigir (cousa que também não sei). Quando você pensa que pegou o jeito da coisa, uma vírgula inoportuna aparece no local inapropriado e seu ego vai embora junto.

Geralmente os textos longos são o resultado de uma ampla investigação e abordam um tema específico com muitas considerações e reconsiderações. Tem uma pesquisa por trás. É complicado escrever duas ou três laudas tendo como referencial apenas ideias “próprias”. Dizem que cansa o leitor. É melhor ser claro, rápido e objetivo. A prolixidade tem sido tão combatida quanto o pior dos pecados. Concisão, clareza, linguagem fluida, seguimento da norma culta e, acima de tudo, capacidade de fazer-se entender. Parece até que é fácil para um ser humano normal fazer isso.

Seres humanos normais são redundantes. Eles vão e voltam para o mesmo assunto diversas vezes, algumas com a mesma forma, outras de forma diferente. Além disso, eles não primam tanto por se fazerem compreender, apesar da necessidade que tem de serem compreendidos. 

Temos dado uma ênfase muito grande aos aspectos estéticos das coisas. A dicotomia forma-conteúdo nunca esteve tão presente. É por isso que estilos musicais com escalas menos complexas, melodias simples, quase tão diretas quanto uma bula de remédio fazem tanto sucesso. Depois vem culpar o povo brasileiro de não ser aculturado. Claro que não podemos. Os clássicos são livros grandes, não são objetivos. Dentro da perspectiva atual são mal escritos. Ninguém tem tempo para ler Hamlet.

É por isso que não sei mais como me comportar em livrarias. Sinto-me julgado pelas sessões que frequento. Na de literatura clássica serei taxado de saudosista, pedante. Na de auto-ajuda, as pessoas saberão que preciso de ajuda. Na de livros técnicos, isso pra mim não é literatura. Na dos romances modernos, serei considerado fútil e desaculturado.  E sempre tem aqueles olhares curiosos, dos curiosos. Leitores são pessoas atentas. Um bom leitor não se prende a forma. 

O texto ficou mediano. Minha ideias já se exauriram e consegui terminá-lo sem muitas divagações filosóficas.   No próximo, falarei sobre um assunto polêmico. Vou começar logo a pesquisa" Até por que, em assuntos dessa envergadura, o que pensamos não vale muita coisa quando comparado às análises estatísticas do IBGE. Mas, depois me pedem para dar minha opinião embasada. Quando embasada, ela deixa de ser minha.

sábado, 20 de abril de 2013

Sobre parafrasear.



As palavras nem sempre correm soltas. Por muitas vezes elas prendem-se, escondem-se, num convite ao desprendimento/encontro. Comunicar-se nem sempre é uma tarefa fácil. Faz-se necessário parafrasear.

Gosto de pensar que as baleias podem ficam bêbadas; que podem surgir flores no asfalto; que  os dinossauros podem explicar a existência do amor; que dizer palavras repetidas é uma sina. A autenticidade é uma conquista difícil. É preciso lidar com muitos "eus" para deixar que um se sobressaia. Isso não é esquizofrenia. Até pode ser, quando analiso que imaginar baleias bêbadas talvez me exclua do critério de normalidade.

Quem já não quis ficar meia hora sem pensar em nada? Quem já não quis pensar algo novo, algo inédito? Mas, é como se estivéssemos sempre parafraseando. A paráfrase extrapola os limites textuais e torna-se intrínseca aos nossos pensamentos, visões de mundo. Sempre com toque de novidade. Só um toque, tão sutil e, por isso, impercebido.

E nos acusam por parafrasear. Nos julgam. É quase um crime doloso. Caso me fosse dada a capacidade de decidir entre pensar o novo e pensar o velho, preferiria pensar o velho. Os pretéritos são mais bonitos. Eles podem ser perfeitos, imperfeitos, mais que perfeitos - "Eu pensei que pensava algo novo quando pensara em mudar o mundo" -. Até nisso, fiz paráfrase: meu mundo novo não era mais que a mera reprodução dos muitos "mundos novos" já pensados.

E a nossa mente? Podíamos usá-la como o  local mais  propício a autenticidade. Porém, muitos plágios acontecem. Pobre do nosso ego, sempre tentando traduzir o nosso "desejo" em algo compreensível, colocando em outras palavras, parafraseando.

E assim seguimos. Reinventando o que já foi inventado.  Quando descobrirem um modo de livrar-nos desse "inescapável" destino, por favor, não me digam. Não teria criatividade o suficiente para reinventar tudo de novo. Além disso, haveriam muitas mortes no mar; os carros atropelariam as flores e os dinossauros dominariam o mundo. Sem contar, que todo dia teríamos que inventar novas palavras.

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Resolvi criar um blog. Não a muitos pedidos. Sempre tive um desejo meio que velado de escrever. Não sei exatamente sobre o que ou para quem. Mas, no fundo, o que importa é a mensagem. A universalidade (olha só que pretensão a minha!) de um conteúdo ultrapassa público alvo e estabelecer um destinatário limita.

Como não gosto muito de metalinguagem (depois escreverei alguma coisa sobre o título do blog), vou direto ao tema: cidades.

Sempre me questiono qual o limite de uma cidade. Até que ponto ela existe como de fato a percebemos.Elas existem por si mesmas? Na Idade Média existiam muros que delimitavam-nas. Os muros já não existem. Talvez seja por já ter morado em 4 e parecer que continuo morando em todas até hoje. Fisicamente impossível e e totalmente desprovido de racionalidade é esse pensamento. É como se cada uma com suas características, com seus odores, com suas sutilizes me acompanhassem por onde ando. Arrastar quatro cidades nas costas não é fácil. Por isso, sempre tento me livrar de alguma, deixar para trás um pouco dessas extensões quilométricas de sentimentos e lembranças. Também não é fácil deixar pedaços  pelo caminho. É uma parte que se torna todo e passa a fazer falta.

Elas tem pontos em comum. Todas tem suas belezas, seus problemas, suas contradições, suas peculiaridades. E a descrição anterior já não parece mais a de uma cidade. Já fugi do tema auto imposto e, sutilmente, descrevi uma pessoa. Uma pessoa pode ser descrita como  uma cidade? Uma cidade pode ser descrita como uma pessoa? Como o todo pode descrever uma parte e a parte pode descrever um todo?

Caetano diz que Rita Lee é a melhor tradução de São Paulo. Uma conquista digna dos maiores louvores a dela. Eu quero, quem sabe um dia, poder ser a tradução de algum lugar. Na verdade, não quero. É muita responsabilidade; não sou comprometido o bastante. Minha polaridade não me permite ser cidade e pessoa ao mesmo tempo. É melhor deixar isso pra quem é bipolar, senão, corro o risco de me tornar também.