Um dia, quando tinha dezessete
anos, o jovem adolescente que estava começando a conhecer o mundo, deparou-se
com uma situação um tanto inesperada. Naquela cabeça turbulenta e cheia de
pensamentos sobre o mundo e sobre si mesmo, ele nunca tinha percebido, de fato,
a realidade que estava ao seu redor.
Tinha aquele andar característico
de quem, internamente, está pensando sobre o mundo e como ele é. Parecia
carregar um fardo pesado demais e não encontrava muitos lugares para descansar.
Queria diversão, ir para o mundo, conhecer pessoas novas. Sair da teoria.
Experimentar. Deve ser assim com todo mundo, ele tinha certeza.
Era tarde de domingo, daquelas
entediantes e chatas, como em sua maioria são. Dividido entre ficar em casa e
sair para “curtir a vida” no shopping, ele preferiu ir ao cinema. O filme, com
poucas pessoas na sessão, durou o tempo necessário para acabar ainda naquela interminável
tarde. É hora de voltar para casa.
A parada de ônibus é um bom lugar
para pensar sobre a vida. Aquelas pessoas que você não conhece, sempre com
olhares atentos para o lado na expectativa do ônibus e vigiando uma possível
situação de perigo. Na mente dele, nada disso importava. Estava pensando no que
fazer naquele final de final de semana que, mais uma vez, fora entediante o
suficiente para tornar as atividades das “feiras” muito mais interessantes. Não
podia ser assim, tinha alguma coisa errada. Todo mundo prefere o final de
semana. Ele parece muito mais animado e agitado. Por que, com ele, era tão
diferente?
Já na parada de casa, de forma despretensiosa,
desce do ônibus e deixa escapar os restos do seu pacote de amendoim comprado
ainda no cinema. Nada de novo nisso. Olha de lado, deixa pra lá. Percebe dois
garotos com roupas esfarrapadas e com aspecto sujo se aproximando. De longe,
eles veem aquele resto de comida e correm com grande entusiasmo para verificar
se no pacote ainda restavam algumas migalhas. Com grande alegria verificam que
ainda restaram alguns.
Na cabeça daquele adolescente,
absorto em seu mundo de questionamentos, um misto de vergonha, nojo, piedade,
raiva e medo se misturam. Sua vida não podia ser tão ruim assim. Aqueles
meninos, com a metade da idade dele, estavam encontrando alegria para um fim de
domingo em restos de comida! Não podia estar certo. Claro, os “problemas” dele
não eram em nada parecidos com os dos garotos. Mas eles estavam felizes, sorridentes.
E ele não.
Aquela cena mereceu muitas horas de reflexão. Era como se ele
tivesse sido acordado no meio de um sonho por cair da cama. Não podia ter sido
mais brutal e revelador. A felicidade estampada no rosto daqueles meninos era a
mais sincera e genuína possível. Eles não deviam se contentar só com aquilo.
Estava errado. Ele estava errado. A vida estava errada.
Depois de muito pensar ele
decidiu tomar aquele dia como parâmetro. Quando, em sua mente, começassem a
surgir àquelas ideias de insatisfação, de raiva e tristeza por um final de
semana perdido, ele deveria lembrar-se da alegria daqueles garotos ao encontrar
seus restos de amendoim. Os restos do que, para ele, tinha sido uma tarde
monótona e chata, serviram para encher de alegria os garotos. Ele percebeu que
precisamos aprender com os restos, com o que sobra e com o que é jogado fora.