quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Restos de amendoim.

Um dia, quando tinha dezessete anos, o jovem adolescente que estava começando a conhecer o mundo, deparou-se com uma situação um tanto inesperada. Naquela cabeça turbulenta e cheia de pensamentos sobre o mundo e sobre si mesmo, ele nunca tinha percebido, de fato, a realidade que estava ao seu redor.

Tinha aquele andar característico de quem, internamente, está pensando sobre o mundo e como ele é. Parecia carregar um fardo pesado demais e não encontrava muitos lugares para descansar. Queria diversão, ir para o mundo, conhecer pessoas novas. Sair da teoria. Experimentar. Deve ser assim com todo mundo, ele tinha certeza.

Era tarde de domingo, daquelas entediantes e chatas, como em sua maioria são. Dividido entre ficar em casa e sair para “curtir a vida” no shopping, ele preferiu ir ao cinema. O filme, com poucas pessoas na sessão, durou o tempo necessário para acabar ainda naquela interminável tarde. É hora de voltar para casa.

A parada de ônibus é um bom lugar para pensar sobre a vida. Aquelas pessoas que você não conhece, sempre com olhares atentos para o lado na expectativa do ônibus e vigiando uma possível situação de perigo. Na mente dele, nada disso importava. Estava pensando no que fazer naquele final de final de semana que, mais uma vez, fora entediante o suficiente para tornar as atividades das “feiras” muito mais interessantes. Não podia ser assim, tinha alguma coisa errada. Todo mundo prefere o final de semana. Ele parece muito mais animado e agitado. Por que, com ele, era tão diferente?  

Já na parada de casa, de forma despretensiosa, desce do ônibus e deixa escapar os restos do seu pacote de amendoim comprado ainda no cinema. Nada de novo nisso. Olha de lado, deixa pra lá. Percebe dois garotos com roupas esfarrapadas e com aspecto sujo se aproximando. De longe, eles veem aquele resto de comida e correm com grande entusiasmo para verificar se no pacote ainda restavam algumas migalhas. Com grande alegria verificam que ainda restaram alguns.

Na cabeça daquele adolescente, absorto em seu mundo de questionamentos, um misto de vergonha, nojo, piedade, raiva e medo se misturam. Sua vida não podia ser tão ruim assim. Aqueles meninos, com a metade da idade dele, estavam encontrando alegria para um fim de domingo em restos de comida! Não podia estar certo. Claro, os “problemas” dele não eram em nada parecidos com os dos garotos. Mas eles estavam felizes, sorridentes. E ele não.

Aquela cena mereceu  muitas horas de reflexão. Era como se ele tivesse sido acordado no meio de um sonho por cair da cama. Não podia ter sido mais brutal e revelador. A felicidade estampada no rosto daqueles meninos era a mais sincera e genuína possível. Eles não deviam se contentar só com aquilo. Estava errado. Ele estava errado. A vida estava errada.


Depois de muito pensar ele decidiu tomar aquele dia como parâmetro. Quando, em sua mente, começassem a surgir àquelas ideias de insatisfação, de raiva e tristeza por um final de semana perdido, ele deveria lembrar-se da alegria daqueles garotos ao encontrar seus restos de amendoim. Os restos do que, para ele, tinha sido uma tarde monótona e chata, serviram para encher de alegria os garotos. Ele percebeu que precisamos aprender com os restos, com o que sobra e com o que é jogado fora. 

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

O medo dos caminhos novos.

Quando descobrimos que o nosso mundo é o nosso mundo, tudo muda. Antes disso, temos a impressão de que partilhamos algo com os outros, com os nossos. Acreditamos na existência de algo comum. Numa cumplicidade quase transcendental, capaz de nos ligar uns aos outros de forma a nunca estarmos separados. Porém, estamos.

Primeiro, tem a separação do parto. Essa é a pior, segundo os especialistas. Saímos do nosso mundo de conforto e segurança, livres de toda aflição e preocupação. Podemos nos movimentar, mas a “prisão” era bem mais confortável, aconchegante, aquecida e hospitaleira.  Temos a imensidão do mundo, mas a pequenez daquele espaço era mais do que suficiente.

Vamos crescendo e os “partos” vão mudando. Sempre nessa perspectiva de alcançarmos espaços cada vez mais amplos, porém angustiantes. O anterior sempre parece mais confortável. Nossa mente teima em permitir ao nosso corpo assentar-se sob nova base. Nada parece seguro e a própria insegurança torna-se o escudo. Os passos para frente devem ser meticulosamente pensados. Os artifícios de sobrevivência são de uma envergadura quase bélica.  Apesar do espaço ampliado, queremos a segurança de um pequeno canto, seguro, aquecido, confortável.  Vivemos com medo. Nada mais primitivo e sábio.

De um ponto de vista nada pedagógico, a educação é uma forma de impor limites, colocar freios, mostrar o quão ruim pode ser uma coisa, caso você não esteja preparado para ela. Somos educados para temer. E, nesse aspecto, a educação cumpre muito bem o seu papel. O grande problema está no nosso total despreparo ao lidarmos com uma situação nova, diferente, não pensada, não estudada, não descrita. É paralisante.

Já devíamos estar acostumados a tudo isso. Afinal, tantos anos se passaram e tantas novas situações surgiram... Careceria ser uma coisa meio que natural, ou adquirida. É uma pena não “pegarmos o jeito”. Nunca pegamos. Como não podemos prever, não podemos prevenir.  

A ideia de caminhar sob um solo minado é aterradora. Imagine como deve ser assustador não saber se o seu próximo passo conduzirá a morte. De forma injusta e inesperada é como se o caminhante trilhasse o caminho para a própria destruição. A metáfora com a vida surge de forma quase imediata. É inevitável não vermos as características em comum. A grande diferença é que no campo minado quem coloca as bombas são os inimigos. Na vida nem sempre é assim, aliás, na maioria das vezes não é.


O bom disso tudo é que sempre podemos encontrar novos caminhos. A amplitude do novo paralisa, mas também pode ampliar nosso raio de ação. Pode nos fazer correr. Os limites de antes não são os mesmos, mas existem. Numa terra inexplorada qualquer nova caminhada pode levar a uma paisagem diferente, nova, única. Só é preciso atenção e cuidado. Lembrando sempre que a novidade para nós apresentada, pode não passar de um caminho velho e abandonado. 

sábado, 21 de setembro de 2013

Ela sabe.

E começaram a conversar. Ele estava ansioso, pernas bambas, mãos inquietas, desviando o olhar dos olhos dela, se ela visse descobriria tudo. Tomava a cerveja em doses fartas, para ficar seguro e destemido. Sempre fora assim, não tinha muitas habilidades na arte da conquista. Apesar de ser bom com as palavras, estas teimavam em fugir nos momentos como esse. Qualquer assunto parecia inadequado, inoportuno. Não dava para saber com o que ela iria ficar impressionada, o que a despertaria interesse.

No bar, todo mundo parecia plateia. A música de fundo não ajudava, não era nem um pouco romântica. Nada parecido com o que ele tinha planejado. E arrancava um sorriso de canto de boca. Mais de nervosismo do que de felicidade. Sim, ele estava muito feliz por tê-la perto dele. Mas, aquele olhar dela... Deixava-o completamente desconcertado.

Os olhos dela são de uma cor de mel, esverdeados, daqueles encantadores. Parecem desenhados, feitos à mão. É mais incrível ainda o que ela consegue fazer com eles. Ela fita com segurança e deixa ainda mais desconsertado o pretensioso interlocutor. Com aqueles olhos seguros e cada vez mais brilhantes, naturalmente, ela desperta admiração e o deixa inseguro.

 Ela sabe o que ele quer. Todo mundo sabe. Até os garçons já conversam entre si discutindo se o beijo sairá ou não. Mas ela não deixa transparecer que sabe. Quer ser surpreendida. Ela sabe, também, que qualquer olhar menos cuidadoso, qualquer palavra impensada, qualquer gesto menos meticuloso será indicativo. Ele é um pouco mais velho, pensa ela. Deve saber o que fazer. Eles sempre sabem, ou fingem. Ele parece tão seguro, tão certo, tão obstinado, tão falante, cheio de piadas e argumentos, mas parece andar em círculos, não sabe finalizar.

Na cabeça dele, ela já deve estar entediada. Já acabaram todos os seus assuntos, todos os cantores e músicas já foram citados, todos os livros, todos os programas de tv, todos os filmes, até as novelas, um pouco de futebol, conversas acadêmicas, sonhos para o futuro, quantos filhos são desejados... Mas, não teve a deixa. Ele não sabe como conseguir espaço. Tem medo de ser invasivo demais ao tocar nas mãos dela de forma não casual. Ela já entendeu que aqueles vários toques espontaneamente forjados não eram puro acaso.

Talvez o problema fosse aquela mesa grande demais, pensa ele, eles estavam distantes. Ele podia ter colocado a cadeira ao lado da dela, não do lado aposto da mesa. Ele faz tudo errado. Ela o admira. No fundo, ela sabe que ele procura uma deixa. Os sorrisos começam a surgir mais espontaneamente, talvez pelo efeito da cerveja. Eles estão ali, como já fizeram outras vezes, em outros contextos. Mas, naquele dia, era especial. Eram os dois a sós, mais ninguém. Apesar do bar lotado e do olhar expectante vindo das mesas ao lado. Nada mais importava.

Os olhares já estavam menos envergonhados. Mais penetrantes. Mais intencionados.

De repente, ele para o olhar no dela. É a deixa. Ele não tem mais dúvidas.


Ela sabe. 

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Eu, o calor e os outros.

Esses dias quentes demais, inquietam. Fica essa clima abafado, seco, com milhões de vozes crepitando, parece tudo parte de um delírio, misturado com suor e com essa necessidade de algo que acalme, refrigere. Agora entendo como deve ser difícil morar nos desertos. Essas vozes, que já nos perturbam normalmente, no calor ficam bem mais ecoantes. 

São muitas vozes. Em essência, não somos um. Essa aparente unidade do nosso pensar, é mera ilusão. Nossa mente é eclética. A gente se posiciona, se define, se rotula, mas, no final, são tantos rótulos que fica faltando espaço na nossa superfície. Sabe aquela mania que algumas pessoas tem de sair colocando no copo os rótulos das cervejas bebidas? É assim com a gente também. Mas, parece que as pessoas tem um certo limite de contato conosco. Elas nos suportam até um determinado ponto. É uma coisa meio física mesmo. A amplitude do que somos extrapola a capacidade do outro nos compreender. E sempre ficam essas arestas, essas partes soltas, sem ponto de fixação, fora da superfície. 

Sempre duvidei das pessoas muito seguras de si. Ninguém é tão seguro assim. Não consigo acreditar nisso. Até porque, como não somos um, essa segurança é como se fosse de "sis mesmos". Acho mais difícil ainda. Muito antes de iniciar a graduação de Psicologia e, muito antes mesmo, de ouvir falar no que seriam transtornos psiquiátricos/lógicos li, num dos livros de Sidney Sheldon (Manhã, Tarde e Noite, o título) a história de uma mulher que tinha três personalidades (alter egos). Em cada contexto da sua vida ela se comportava de um modo diferente. Claro, era uma condição patológica. Cada alter ego tinha  uma memória formada de si, uma consciência de tempo, espaço e, inclusive, de profissão diferentes. O problema é que um dos egos gostava de matar pessoas. Na época achei aquilo tão fictício e fora da realidade, quanto a existência de Pokemons. Claro, comecei a considerar que comigo podia acontecer a mesma coisa (geralmente, os alter egos não tem consciência do outro), mesmo acreditando, cegamente, na irracionalidade daquele absurdo. 

Mas o tempo foi passando e a coexistência humana foi mostrando que podemos selecionar qual parte de nós será relevada nos diferentes contextos de nossa coexistência. Isso, além de natural, é um mecanismo de sobrevivência.

No fundo, acredito sim que em meio a toda essa aparente confusão de “eus” existe uma linha, um ponto comum, algo que orienta e direciona nossos atos. Até por que, se assim não fosse, todo mundo surtaria, tanto nós, quanto os outros. As pessoas percebem as nossas mudanças. Às vezes, nem mudamos tanto, só deixamos um “outro” aparecer. Mesmo assim, existe uma unidade. Não sei se uma essência, mas existem características nossas que nos diferenciam, nos tornam um, fazem a nossa personalidade.



É muito bom permitir-se conhecer. Conviver com os nossos outros. Ouvir os nossos outros e dialogar com eles. Queria uma frase de efeito para finalizar o texto, mas as palavras fugiram do eu que escreve. 

terça-feira, 17 de setembro de 2013

Sobre os que foram e os que serão.

Eu não acho que a juventude de hoje esteja desorganizando a sociedade. Ouvi isso num sermão esses dias. Na verdade, não é bem a juventude, é o afastamento que os jovens têm da religião e de Deus. É um assunto complicado, polêmico, controverso e inquietante. Eu gosto desses assuntos.

A sociedade nunca foi organizada. Mesmo com todas as tentativas frustradas já encabeçadas pelas mais diversas instituições sociais, nunca houve essa moral e bons costumes tão “perdidos” atualmente. Os jovens sempre assumem um papel subversivo, parece algo meio intrínseco a idade. Os 15, 16, 17 são anos voltados para os conflitos internos, para nossas questões. Já depois dos 19 parece que passamos a nos importar mais com questões de cunho global, geral. Deixamos um pouco de lado os conflitos amorosos (típicos da adolescência) e o interesse se volta para os ideológicos. É o tempo de entrar na universidade e ficar perdido.

À medida que nos aproximamos de novas ideias, vamos nos afastando das velhas. A religião é uma velha ideia, tão velha quanto à existência do homem. Temos muito a aprender com as coisas velhas.  Também  temos muito a ensinar. Apesar de, cada vez mais, sofrermos com o lugar de meros aprendizes. Devemos ter a cabeça baixa e os ouvidos atentos. Caso contrário, é como se estivéssemos destruindo tudo  aquilo que nossos antepassados lutaram  tanto para construir.

Ouvi de uma educadora num programa de televisão no qual se discutia sobre a qualidade da educação brasileira que a escola atual não tem capacidade de formar uma geração. Daqui a 20 anos serão os jovens de hoje a levar esse país nas costas. Mas os jovens de hoje não estão preparados, nem se preparando. Não saberemos conduzir o futuro dessa nação. Aliás, “... nem sentimento patriótico eles tem.” - era o lamento da senhora com cabelos brancos que, ao mesmo tempo, pedia aos professores para ouvir a voz dos alunos adolescentes. Eu fiquei confuso. Eles dizem que não sabemos, mas querem nos ouvir. Dizem que sabem, que foram, que fizeram, que eram, mas não nos deixam ser, fazer, tentar.

Eu não acho que eles tenham conquistado grandes coisas para o Brasil, assim como a religião não tem feito grandes coisas pela humanidade, e tem. Podemos pensar como pensamos por causa deles e dela. Afinal, com o que nos revoltaríamos se eles e ela não existissem?

Sobre religião é mais perigoso falar. Muitos ficam inflamados, muitos aplaudem e muitos olham com preconceito. É tema que não pode ser discutido. Apelam logo para o campo da fé e esse é um assunto impassível de discussão. Eu, mais uma vez, não concordo. Acho que fé se discute, assim como política, futebol e gosto musical.

Mas porque estou falando tudo isso? Eu tenho visto uma tendência na juventude da qual faço parte de separar as coisas. De colocar tudo em janelas. Em pastas. Você não pode ser eclético. Tem que ser isso ou aquilo. Religioso ou ateu. Direita ou esquerda. Rock ou forró. Cerveja ou vodka. Ribeira ou Só Mais Uma. E por aí vai. Esse não é o caminho. Um caminho já percorrido por gerações anteriores e pregado pela religião (ou Deus ou nada). Já deveríamos ter superado essa dicotomia. Já deveríamos ter procurado novas formas de encarar esses velhos dilemas. Formas mais inclusivas. Menos deterministas.


A religião e muitos pensamentos antiquados que tentam enquadrar, organizar, determinar, impor, deveriam nos servir como espelho para o “não ser”. É uma pena não conseguirmos nos desvencilhar dessas nefastas influências. O museu das grandes novidades está aberto para exposição. Só precisamos olhar, observar, não é preciso roubar nada.  

sábado, 14 de setembro de 2013

Sobre a vida que nos foi imposta.

E cá estamos nós nessa frenética e, ao mesmo tempo, tão pacata vida. Podia ser tudo diferente. Eu sempre imaginei  como teria sido minha vida caso eu tivesse nascido em outra cidade, estado, país, planeta, galáxia... Acho que todo mundo, um dia, já pensou sobre isso. Seria tudo diferente. Talvez nem fosse.

Nascer em outro lugar implicaria uma nova cultura. Uma nova forma de ver as coisas, novos alimentos, novas expectativas, novas rotinas. Mas o cotidiano sempre existiria. O dia a dia monótono e tão agitado que inquieta e nos dá o direito de dormir cinco a seis horas diariamente, enquanto todos os sabedores e estudiosos nos recomendam oito.

Mas sempre surge a questão da essência: o meu "eu" continuaria o mesmo? Eu teria as mesmas manias chatas, os mesmos tiques, os mesmos raciocínios vagos, a mesma capacidade de ficar pensando sobre o nada? Eu teria a mesma identidade?

Mas sempre surge a questão da identidade. Temos ou não temos uma? Os teóricos da Psicologia do Desenvolvimento teimam em tentar dividir a vida em etapas, em ciclos. Não de forma cronometrada ou estanque. Períodos sem limites temporais estritamente definidos, mas períodos, fases. Parecem seguir uma tendência natural que também temos. Sempre achamos um modo de dividir nossa vida. Seja por lugares onde moramos, por pessoas com as quais convivemos, anos escolares e por aí vai. O problema de dividir em etapas está exatamente na dificuldade de definirmos quando terminamos uma e quando devemos iniciar outra.

Quando saindo da infância nos questionamos sobre o nosso lugar de adolescentes. Quando já beiramos os dezoito, dezenove ou vinte estamos quase enlouquecendo com o fato de não sabemos mais nos definir (jovem ou adulto). Entre a idade adulta e a velhice é a mesma querela. E o problema sempre é o mesmo: temos uma dificuldade, quase inata, de dividir nossa vida em etapas. A raiz desse entrave classificatório talvez seja a nossa incapacidade de realizar todas as tarefas que são esperadas em cada fase.

Claro, tudo isso é fruto de uma séries de fatores sociais, históricos e culturais, eu sei, já conseguiram me provar isso. Porém, esses fatores continuam nos atormentando. Apesar de saber identificá-los um a um, não consigo  me desvencilhar deles. E nos julgam. Tenha um adulto atitudes infantis e sentirá, na pele,o peso de sua transgressão. É um pecado quase mortal. Um dia falarei sobre pecado, deixa pra lá.
 
Além de não escolhermos nosso local de nascimento, não podemos escolher por qual idade começar a vida. Será que nascermos adultos não seria melhor?! Tá, chega de loucuras numa manhã ensolarada de sábado. No fim, nos resta viver. Do nosso modo torto e meio esquizofrênico, numa constante queda de braço entre obrigações e prazeres; entre necessidades e desejos. Devemos viver. Acho que podemos dar umas escapadinhas vez por outra. Pular os ciclos, voltar as etapas, redescobrir o que nem chegamos a descobrir. A vida nos foi imposta, mas não devemos encará-la como um fardo.

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Na nossa forma.

O meu hiato literário é sempre reflexo de um período de aridez intelectual que acompanha, paradoxalmente, o cotidiano da minha vida acadêmica. Apesar de completamente entusiasmado com o meu avançar no campo das Ciências Médicas, sinto que cada vez mais me afasto de outras formas de pensar e analisar as coisas da vida. Vivo dizendo que a universidade nos faz perder a capacidade de poetizar, e é verdade.

Seres pensantes pensam. E pensar envolve dois movimentos básicos, porém opostos: decompor e recompor. Imaginemos quaisquer situações, das mais simples a mais complexa, e vejamos de forma prática como se processam essas ações. Uma situação nova sempre causa espanto e estranheza. Nossa mente não consegue alocar a novidade numa caixa já pronta de conceitos. Nesse momento, precisamos decompor e fragmentar o "novo" em partes com geometria e forma capazes de penetrar nos pequenos espaços vazios das nossas caixas mentais pré-fabricadas. Decompomos e decompomos até fazer sentido para nós, ou não. Decompomos para recompor. A recomposição nada mais é do que a "adequação", o colocar na forma, na nossa forma.

A forma (fôrma) do outro, raramente, consegue se encaixar na nossa. Sempre consideramos a nossa mais adequada. Temos essa necessidade. Não somos culpados. O nosso egocentrismo faz parte de uma característica evolutiva que remete a necessidade de sobreviver. Precisamos acreditar em nós (isso não é autoajuda!).

As universidades são esses lugares que me envergonham. Não se encaixam na minha forma. Elas, ao invés de expandiram, limitam. É tudo tão dividido, tão cêntrico. Tornou-se utopia acreditar que o conhecimento é algo unificador. Formamo-nos (ou seja, somos colocados em uma forma) e nos separamos das demais formas, ficamos conformados. O nosso movimento é sempre no sentido da especialização. Doutorados são feitos em um "canto de unha" e o "doutor" nem sabe o nome do dedo (nem na classificação de Eliana). Mais uma vez: não somos culpados. Dessa vez, podemos ser.

Sempre me disseram que após os 30 anos um dos fatores mais determinantes para a completude do sentimento de realização pessoal é o sucesso profissional. Não é o sucesso do conhecimento. Esse passa longe. O conhecimento passa longe das universidades que nos formam para esse sucesso profissional. Vivemos essa ilusão do saber, mas este nos engessa e molda. 

A decomposição deveria seguir-se a recomposição em uma nova forma. Entretanto, incorremos no erro de querer sempre encaixar no pré-pronto. Por isso, muitas vezes, ao pensar ou vivenciar coisas novas, só reforçamos nossos preconceitos. 

A relação entre universidade, preconceito e movimentos do pensar é tão próxima que assusta. E precisa assustar. Quando não assusta, é sinal de perigo. Quando não assusta é como se tudo encontrasse o seu lugar, como se tudo ficasse encaixado, na nossa forma.